30 de janeiro de 2006

Quando um homem, de repente,
Desavisado, inocente,
Ao ver um simples vestido,
Já pensa em se apaixonar.
E quando esse mesmo homem,
Ainda desavisado,
Escreve, em versos, calado,
Um poema ao tal vestido,
E assim através da noite,
À luz da sua inocência,
Pensando no tal vestido,
O homem revela, puro,
Toda beleza que o encerra.
Então ele diz à noite,
Que ele é assim — colorido
Que ele é terno, é o preferido,
Que tem um quê de malícia
Nas cores do seu tecido.
Esse homem, porém, não sabe
O erro que cometeu,
Não sabe a bem da verdade
Nem mesmo o que aconteceu,
Pois realmente é um engano
Por um pedaço de pano
Pensar em se apaixonar.
Então a se redimir,
O homem percebe a moça,
A bela moça a sorrir
Bem dentro do vestidinho,
Percebe que seu olhar
Tem um quê de poesia,
Uns versos de Baudelaire
Falando de nostalgia,
Percebe ainda que a moça
Tem os cabelos dourados,
Tem pele clara e macia
E lábios adocicados.
Foi, então, esclarecido
O porquê de ele pensar,
Um dia, em se apaixonar
Apenas por um vestido.
Agora, o homem sabia,
Sem qualquer sombra de dúvida,
Que a grande paixão estava
Na moça que ele vestia.
Assim este homem tolo
Resolve, então, decidido,
Tirar de vez da cabeça
Aquele simples vestido,
E por toda eternidade
Este homem prometerá
Nunca mais ver um vestido
E dele depois gostar,
Promete sim, a essa moça,
Agora todinha sua,
Para evitar outro engano,
Qualquer que seja o tecido
Seja de saia ou vestido,
Que seja até colorido,
Não vai, assim, querer vê-la,
Quer vê-la somente nua
Belo poema na noite
Vestindo apenas a luz
Lívida e clara da lua.

28 de janeiro de 2006

Estrela que risca o céu,
Em noite de negro véu,
Por sobre os que estão ao léu,
Povoados de ilusão;
Brilha em total plenitude,
Qual notas de um alaúde,
Espalhando-se em virtude
Nos hinos de uma canção;
Doce estrela peregrina
Que pareces pequenina
Ante a presença divina
Em negro véu da amplidão;
Meu nauta do céu escuro,
Eu cá de cima do muro,
Fitando o teu rastro puro
No negro da imensidão,
Penso em contar-te um segredo,
Não digo, pois tenho medo,
Quando apontar-te o meu dedo,
Verás em meu coração...
É isso mesmo que viste
Um coração puro e triste
Por saber que o amor existe
Mas longe de minha mão,
Peço-te estrela bendita,
Pela fronte que te fita
Pelo seio que palpita,
À procura de emoção,
Pela dor de estar sozinho,
Pelas pedras de um caminho
Sem luz, amor ou carinho,
Nem falas de uma paixão;
Peço com toda humildade,
Procura, ali na cidade,
Um amor que, de verdade,
Vá curar meu coração.

Carlos Eduardo Drummond
Este que chamam o dia,
O Dia dos Namorados,
Não é de fato meu dia,
... É dia dos namorados.
Assim como a luz do dia,
Eterna, ilumina os prados,
A qualquer hora do dia,
Há juras de namorados,
No entanto, meu caro amigo,
Procura essa namorada...
E, então, pensarás contigo:
— Procuro e não acho nada.
Bem vês, meu fiel amigo,
Eu não tenho namorada.
Dizes agora contigo:
— Por que não tens namorada?
É que os valores da vida,
Respondo, meu caro amigo,
Estão assim, deturpados,
E a dor é demais sentida
No Dia dos Namorados.
Podem chamá-lo de dia,
De Dia dos Namorados.
Mas este não é meu dia,
... É dia dos namorados.
Assim no meu dia-a-dia,
Procuro uma namorada,
Sei que ao chegar este dia,
Aos beijos da namorada,
Esquecerei dos meus dias,
Dos dias, abandonado,
Para no resto dos dias
Lembrar que sou namorado.
E, então, se chegar o dia,
O Dia dos Namorados,
Eu nem me importo, é meu dia...
É dia dos namorados.

24 de janeiro de 2006

Sei que passas nesta rua
Nas manhãs ensolaradas,
Sei que olhas neste muro
As frases aqui riscadas.
Amanhã quando passares
Tu terás grande surpresa.
De lápis-cera riscado
Tu verás o teu recado
Em versos aqui no muro.
Então de uma vez por todas
Tu saberás meu segredo.
E até que o muro desabe
Toda vez que aqui passares
Em disfarçados olhares
Tu lembrarás que a teu lado
Além de um sincero amigo
Tem alguém apaixonado.
Rasguei uma página em minha vida,
Rasguei, com olhos molhados,
Cerrei-os a uma paixão desmedida,
De corpo e de alma lavados.

Dias a fio, vi-me padecendo,
Meu Deus teve compaixão,
Seu filho, pálido, estava gemendo,
De dor no seu coração.

Agora, meu amor! Tenho piedade,
Em ti, a chama não vejo,
Murchou em mim a flor da mocidade,
Não mais pedirei teu beijo.

A primavera minha adormeceu,
As pétalas despencaram,
O meu pesar o inverno conheceu,
E meus lábios ressecaram,

Oh! Deus meu! Não roguei que fosse assim,
Roguei antes o amor puro,
Despi minha face e a quis de jasmim,
Dormindo em meu quarto escuro.

As chagas profundas cicatrizaram,
Aterrei a cova rasa,
Onde os vermes a mim profetizaram:
“Quando o amor nos trai, arrasa.”

Vou-me embora pra bem longe, querida,
Até ver amareladas,
As páginas de sangue de uma vida,
Ao teu louvor dedicadas.

Deixei o acaso responder teus crimes,
Deixei o futuro incerto,
Votar à justiça, e do amor sublime,
Culpá-lo de meu deserto.

O adeus é tão doloroso, amor meu,
Remocei-me em ti uma vez,
Beijando tranqüilo, no seio teu,
A tua morena tez.

Tu para mim serás sempre a mais bela,
Só não verei mais tua alma,
Não palpitarei mais por ti, donzela,
Meu peito agora se acalma.

Embalado em ti perdi tanto tempo,
Sofri, cansei, e cansado,
No fervor da noite, ao meu passatempo,
Ouvia-te embriagado.

Um brinde à dor de nossa despedida,
Sim, aos vapores do vinho,
Quebrarei o cálice da bebida,
Num adeus ao teu carinho.

Entorpecido, dormirei sereno,
Embalado pela valsa
De um triste adeus, num murmurar pequeno,
Crê, minha dor não é falsa.

Adeus, amor, adeus! Carregarás
Na tua vaga lembrança,
O amor que te dei e então sentirás,
Qual o amor de uma criança.

Adeus, pois de teu amor me despeço...
Meu verso é fogo, é brasa incandescente,
Vapor lascivo em cândido perfume,
Vazão da dor que o próprio artista sente.

Meu verso é topo, é da montanha o cume,
Desponta à vida em frases convertido,
Levando à prosa as dores do ciúme.

É anjo de minh’alma concebido,
Menino ingênuo em colo recostado,
Único filho em leito adormecido,

Segredo antigo às folhas revelado,
Meu verso é brilho, é pedra preciosa,
Rubi por mãos de artista lapidado.

É do jardim a flor mais melindrosa
Dos colibris o beijo mais fagueiro,
Beleza rara em pétala de rosa.

Meu verso é luz, amor mais verdadeiro,
Paixão contida em sangue derramado,
E fé deixada aos passos do romeiro.

Sombra de amor em lúcido passado,
Paixão presente em métrica perfeita,
Odor que exala um peito apaixonado.

Pequeno grão em tímida colheita,
Meu verso é puro e honra como um filho
O amor que sente à estrofe que lhe aceita.
Na manhã de quarta-feira,
Do mês de agosto, a primeira,
Partiria o trem caipira.
Sete vagões engatados,
Todos sete enfumaçados,
Rumo à estação de Itabira.

Cheguei cedinho à estação,
Sem disfarçar a emoção,
De viajar nesse trenzinho:
... Quero rever as Campinas,
As montanhas pequeninas,
Tudo bem devagarinho.

Quero passar junto aos rios,
Sentir no corpo arrepios,
Quando o trem subir a serra,
Sentir no frescor da brisa,
Que beijar minha camisa,
O cheiro da minha terra.

Quero ver gado pastando,
Cavalo e égua se amando,
De dentro do meu vagão,
Passar bem rente às estradas,
E colher mangas-espadas,
Com a palma da minha mão.

E se ainda sobrar tempo,
Em forma de passatempo,
Vou recostar na poltrona,
E pedir bem de mansinho,
Pelo resto do caminho,
“Trenzinho, não me abandona!”

Quando eu parei de sonhar,
Alguém veio me falar,
Que o trenzinho avariou,
Que o trem não mais partiria,
Por contrair nostalgia,
De um homem que ali parou.

Na próxima quarta-feira,
Do mês de agosto, a primeira,
Partirá o trem caipira.
Sete vagões engatados,
Todos sete vacinados,
Rumo à estação de Itabira.
I

Raiar do dia neste imenso vale,
Onde as crateras que escavadas são
Guardam segredos de infinitos sonhos,
No barro sujo que recobre o chão.

O sol aos poucos vai dourando o vale,
Que em pouco tempo já estará fervendo,
Legiões de homens, como barros, sujos,
Pelas escadas estarão descendo.

Começa, então, o formigueiro humano,
Milhares deles escavando a terra,
Outros milhares carregando sacos
Cheios de pedras vão dar nome à Serra.

Febris do ouro vão gastando as forças,
E toneladas de barrenta lama,
Com sacrifício nos lanhados ombros
São carregadas e ninguém reclama.

Porque é mais forte o desejar riquezas,
E a sede intensa de encontrar o pó,
Dourados sonhos que serão vividos
Na paciência do incansável Jô.

Sê paciente e encontrarás a luz
Que tanto esperas neste chão brilhar,
Inclina a fronte, ó garimpeiro astuto,
Aos céus que deves vez por outra orar.

II
Eu tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...

Tenho um sonho muito antigo
De rico poder ficar,
Quero sair desta Serra
Com dinheiro pra gastar.

Hoje sou pobre e sozinho,
Vivo só pra trabalhar,
Carrego terra e entulho
Nos ombros, sem reclamar.

Sonho amores e ilusões,
E à luz do saudoso lar,
Deixei mulher, sete filhos,
Todos sete pra criar.

Mas tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...

No garimpo a vida é dura,
Pode até gente matar,
Vi garimpeiro bravio
Lá do morro despencar.

Vi outro dia um amigo
Desesperado a gritar,
Tinha uma faca no peito,
Outro veio lhe roubar.

Sei que a vida aqui é dura,
Peço a Deus pra me ajudar,
Saio daqui milionário,
Se Deus me mostra onde está.

Serve o grama ou a pepita
Se perto de mim brilhar,
Rezo apenas pra ser ouro,
E prometo não contar.

Pois tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...


III
Movidos pelo sonho do El Dourado,
Partem cheios de esperança.
Nos olhos o desejo insaciável,
Na inocência de criança.

Deixam serras, campinas, belos campos,
Na ilusão de uma pepita.
Largam mulheres, filhos, famílias,
E vão comer de marmita.

Deixam o verde, ar puro e natureza,
No seio de suas terras,
Aqui comem poeira e bebem barro
Tirados da própria Serra.

Muitos morrem sem mesmo achar o ouro.
Outros tantos vivem anos
Até chorar na dor arrependidos,
De um dia serem ufanos.

Outros acidentados e infelizes
Porque hoje são paralíticos,
E ainda um grande número de tristes
Porque são hoje raquíticos.

IV
Hoje é dia de garimpo,
É dia de deixar limpo,
Os amuletos da sorte.
Dou brilho nas ferraduras,
E rezando pras alturas
Desafio a própria morte.

Carrego pedra e entulho,
Vendo depois com orgulho
O outro que eu encontrar.
Volto correndo pra casa,
Nos bolsos, dinheiro vaza,
Vaza, vaza... Sem parar.

Aqui não tem natureza,
Muitos sonhos de riqueza
É o que tu encontras aqui,
Poeira pra todo lado,
Homem com dente dourado,
Quando um deles te sorri.

A noite aqui é sombria,
Ao soprar da ventania,
Vem poeira e também medo.
Se eu encontro o pó dourado,
Posso, à noite, ser roubado,
Se não guardá-lo em segredo.

De dia, o sol escaldante,
Nessa cratera gigante,
Deita seus raios ferventes.
Entre um gole e outro d’água,
Punge o peito em dura mágoa,
Na saudade dos parentes.

Sou garimpeiro, sou forte,
Desafio a própria morte,
Aqui na Serra Pelada.
Com vinte e quatro quilates,
Mercedes, Mansões e iates,
E a patroa é conquistada.

V

O céu já dourando ao sol do poente
Avisa ao garimpo que o dia acabou
De alma cansada e corpo doente
O bom garimpeiro mais rico ficou.

Poeira nos olhos e barro no rosto
Mas bem escondido seu sonho dourado.
Caindo a noitinha, o sol já está posto,
E o bom garimpeiro foi recompensado.

Milhares de vidas retiram seus corpos,
Da imensa cratera que ali se formou,
Imundo qual fosse um chiqueiro de porcos
O grande garimpo mais fundo ficou.

De dia — um inferno; à noite — sem vida.
No entanto escondido nos bolsos do chão,
O áureo motivo de tanta corrida
O áureo motivo de tanta ilusão.

À noite, na esteira, rezando um Pai Nosso,
O bom garimpeiro agradece ao Senhor,
“Meu pai, sou bom filho, pois faço o que posso
Pra ter nos meus lábios palavras de amor.”


“Senhor, agradeço esta luz tão bendita
Que hoje perdoa o mal que causei
Também agradeço por essa pepita
Que suja de lama no barro encontrei.”

A paz ora reina no inferno dourado,
Cessando na imensa cratera os trabalhos,
Medonho silêncio vislumbra pasmado
Que o grande garimpo foi feito em retalhos.

Exausto, na esteira, dormindo ao luar,
Depois de ingerida uma boa cachaça,
O ouro nos sonhos começa a brilhar,
Pois sonhos não custam... são sempre de graça...

Dorme, garimpeiro! Dorme...
Cheguei bem perto, junto de um madeiro,
À sombra deste — rosas espalhadas.
Nos ares um perfume virginal,
Essência que encharcava as mãos cerradas
De menina.

Era um anjo na flor da juventude
Que aos céus na tenra idade regressou.
Alvo lírio que à vida despontava
Flor bendita que um dia Deus chamou
De menina.

Cheguei mais perto, ergui a fronte aos céus,
Na terra, meu joelho recostava,
Junto ao peito as mãos frias, mas unidas,
Naquela triste manhã eu rezava.
Assim, menina:

“Senhor, meu Deus! Um anjo vos procura,
Bem pouco aos vossos olhos estará
Lançai neste arcanjo o vosso amor,
Esteio que os seus entes erguerá.

Vós que sois justo, vós que sois clemente,
Perdoai os que choram pela morte
Rogai conforto, amparo e proteção
Aos que choram tal perda muito forte.

Senhor, meu Deus, meu guia e meu pastor,
Olhai esta menina com carinho,
Guardai para ela um bom lugar
Sagrada seja, à luz de seu caminho.

Que o pranto seja breve em nossos olhos,
Levai, Senhor, convosco o triste leito,
Guardai também convosco o nosso anjinho
Que clama a reclinar-se em vosso peito.

Pela brisa que sopra nas montanhas,
Peço, enfim, meu Senhor de luz divina,
Como um cativo de vossa vontade,
Abençoai esta alma de menina,
Amém!”

Foi quando um fogo despontou nos céus,
Crepitando o carvalho do madeiro,
Ateando fogo ao leito solitário,
Deixando iluminado o seu cruzeiro.

Coloquei-me de pé, e então notei
Que um milagre entalhara aquela cruz,
Ainda em brasa, dizia a inscrição
No brilho incandescente de uma luz:
“AQUI JAZ, MAS NÃO PARE SEMPRE!”
Eu me lembro, eu me lembro...
Em meados de dezembro
Um menino conheci.
Eu ainda era criança
Quando brilhou a esperança
No então menino que vi.

Deixei de ser pequenino
Mas meu amigo menino
Não deixou de ser criança.
E todo mês de dezembro,
Em seus olhinhos, me lembro,
Brilhava a luz da esperança.

Sim, na noite de Natal,
De Belém vinha um sinal
Ao som de um sagrado hino.
Uma estrela me dizia
Que se chamava Maria,
E que era mãe do menino.

Então, num clarão divino,
O meu amigo menino
Surgia em forma de luz.
Todo de branco, vestido,
Sussurrava ao meu ouvido:
— Eu sou o menino Jesus.
Há muito tempo venho te buscando,
E, na busca, não tenho te encontrado,
Sou teimoso, por isso estou cansado,
E assim, continuarei te procurando.

Estou exausto, há muito estou andando
E não te encontro à minha caminhada.
Já não durmo e durante a madrugada,
Acordado, contigo estou sonhando.

Mas ai quem busca debalde e insistente
O teu aroma, e ver-te de verdade,
Deve buscar-te cautelosamente,

Pois teu esconderijo, por vaidade,
É, muitas vezes, bem na nossa frente,
E nós não vemos tu — Felicidade!
“Quando, certa manhã, Gregório Samsa despertou,
depois de um sono intranqüilo, achou-se em sua
cama convertido em um monstruoso inseto...”
Franz Kafka



Algo caminha sobre as minhas costas.
Essa filha do esgoto, putrefata,
Nojento bicho que, de pata em pata,
Sai do meu dorso e vai subir nas bostas.

Aberração da natureza — crostas
Cobrem teu ventre da sujeira exata.
Miserável inseto — és a barata,
A imunda criatura em minhas costas.

Este inseto cascudo e pavoroso
É, sem dúvida, a inveja incontrolável
Que, na vida do ser vitorioso,

A derrota despeja, imperdoável,
Sem pena, contorcendo-se de gozo,
Pelo gosto de ser abominável.
Beijei teus lábios, ontem, à noitinha,
E, qual não foi minha surpresa, quando,
Ao tempo em que estava te beijando,
Flagrei-me olhando fixo tua boquinha.

Estranha dúvida, essa coisa minha,
De estar assim, secretamente olhando,
Como um ladrão astuto, ali, roubando
Toda beleza que tua boca tinha.

Quero, agora, pagar por ter roubado
Essa beleza rara que eu persigo.
E assim, detido, depois de julgado,

Já não representando mais perigo,
Ler a sentença em que eu for condenado
Para sempre a morrer de amor contigo.
Fito, à noite, um pequeno vaga-lume,
Que, bailando ao frescor da madrugada,
Como a luz que desponta na alvorada,
Cintila alegre no total negrume.

Embora eu saiba quão pequeno é o lume,
Fito em silêncio, e, sem dizer-lhe nada,
Ali, na placidez desesperada,
Paro e medito à luz que se resume:

“Se tão pequeno inseto, calmamente,
Na noite escura e tenebrosa, trilha
Um caminho de luz fosforescente,

Eu, humilde, ao ver esta maravilha,
Não consigo entender por que, descrente,
A luz da humanidade inda não brilha!?”
Procurei no dicionário,
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:
"Aniversário: Espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado."
alea jacta est!
you should get some rest...
não sou essa peste
que pensam que sou.
a poesia que me veste
brota bruta à revelia.
e se ofende e modifica,
redime e condena,
transforma e glorifica,
de norte a sul,
de Leste a oeste.
alea jacta est!
you should get some rest...
não sou essa peste
que pensam que sou
sou apenas um poeta...

3 de janeiro de 2006

Moro a poucos metros do quintal de Pixinguinha,
Respiro samba, logo ali, depois da linha,
Onde o "Cacique" vem sorrindo me abraçar.
Choro quando um sambista se esquece da Leopoldina,
Mas que pecado não lembrar dessa menina,
Campeã de tantos carnavais.
A essa gente ingrata e também desinformada,
Distante, certamente, de uma boa batucada,
Dou me perdão com este samba.

Sagrada Leopoldina!
Quem vê tuas esquinas reconhece és imortal;
Respeitem o teu manto verde e branco, por favor,
Sagrado pavilhão do carnaval.

E se esses versos ainda não lhe convenceram,
Pergunte àqueles que algum dia conheceram
Essa terra de samba, essa terra de bamba,
Do batuque em "Fundo de Quintal".
Sagrada Leopoldina,
Quem vê tuas esquinas reconhece és imortal.
Eu moro...

Escritório de Direitos Autorais: No de Registro: 320.118, Livro: 585, Folha: 278.

2 de janeiro de 2006

No dia em que minha mãe me pediu
Um anel de presente,
Eu não sabia,
Eu não sabia, ( Bis )
Minha mãe era Rainha do Mar.

E assim no mar azul mergulhei,
Na casa de minha mãe descansei,
Mas meu anel se foi no mar,
E eu comecei a chorar,
Comecei a chorar.

Mas tudo passou dali pra melhor
E aquilo que parecia o pior
Era o amor de minha mãe.
E eu comecei a cantar,
Comecei a cantar.

E se hoje canto com firmeza:
É a Rainha do mar. ( Bis)
É a Rainha do mar.
E se hoje tenho essa riqueza:
É a Rainha do mar. ( Bis )
É a Rainha do mar.

Escritório de Direitos Autorais: No de Registro: 320.116, Livro: 585, Folha: 276.

1 de janeiro de 2006

O Soneto surgiu no início do século XIII, na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II, a exemplo das tradicionais baladas provençais. Atribuído por alguns a Jacopo da Lentini, o Soneto tornou-se mais conhecido depois de aperfeiçoado por Francesco Petrarca.

Nada disso era de meu conhecimento quando resolvi escrever poesias no final dos anos 80. Descobri a literatura quando cursava o Ensino Médio no Colégio Pedro II. Na época, assombrei-me diante da poesia fundo-de-poço dos poetas ultra-românticos, sobretudo Álvares de Azevedo. Eu estava no auge de minha adolescência e era dotado de uma personalidade muito mais oitocentista que qualquer outra coisa. Num período em que o Rock brasileiro explodia nas rádios e o país continuava sua cavalgada em busca de uma democracia madura e completamente desintoxicada do que havia bem pouco tempo antes, eu estava mergulhado na poesia romântica do século XIX.

Não me envergonho disso, pois esse primeiro contato, na contramão de tudo e de todos, foi o que fez brotar em mim o amor à poesia, à literatura, aos livros. Assim, pois, o maravilhoso universo das palavras chegou tardiamente ao meu conhecimento. Essa constatação, no entanto, nunca me abateu. Levado pelas mãos de poetas como Álvares de Azevedo, Castro Alves e Casimiro de Abreu, devorei quase todos os autores daquela geração. Esgotados esses autores, busquei outros mais, numa progressão geométrica que se mantém até os dias de hoje. Foi no meio dessa viagem sem volta que conheci essa fascinante forma poética intitulada: Soneto.

Ainda sem saber as complicadas regras existentes nas entrelinhas dos quatorze versos de um Soneto, fiquei apaixonado por sua beleza singular. Não me lembro do primeiro que li, mas tenho comigo os muitos ensinamentos absorvidos durante a leitura de vários deles. E, olha, foram muitos e de muitos autores diferentes. Olavo Bilac, Raimundo Correia, Cruz e Souza, Castro Alves, Camões, Bocage, Florbela Espanca, Augusto dos Anjos, Machado de Assis, Vinícius de Moraes, Pablo Neruda, são apenas algumas fontes das quais bebi até a última gota.

O fascínio aumentou quando me dei conta do enorme desafio que é, para um poeta, escrever um legítimo Soneto, com suas principais regras obedecidas rigidamente. Como já disseram, “escrever um Soneto é esculpir uma gaiola de aço que prenda pássaros de ouro”. Só mesmo quem já se aventurou a escrever um sabe do que estou falando. Por amar tanto essa forma, achei-me no direito (quiçá, prepotência) de também escrever um. Nossa, como foi difícil. Mas, enfim, o tempo, o esforço, o amor, a força de vontade e sei lá o que mais, permitiram-me evoluir de modo a produzir meus primeiros Sonetos. Nada que me estimulasse muito. Assim mesmo não desisti. Melhorei um pouco mais e comecei a produzir os primeiros protótipos considerados, por mim, dignos de compor um livro.

Não quero mendigar elogios. Sei que já escrevi bons Sonetos, todavia, também sou consciente de minhas falhas e, por esse motivo, tenho muito a aprender. Este livro é o resultado de tudo isso. Amo tudo que escrevi. Está aí, para quem quiser ler, sentir, gostar, até mesmo jogar pedra. Minha literatura, no entanto, segue para outros rumos.

Não sei em que medida o texto clássico se fará presente em minhas obras daqui em diante. A decisão de publicar este livro está intimamente ligada a este fato. Mas isso é assunto para o futuro. Por ora, vamos mergulhar nos PEQUENOS SONS de uma “sonetoterapia”. E para terminar, seguirei o conselho de meu amigo Piotr Slacen: favor usar com moderação.

Carlos Eduardo Drummond