5 de dezembro de 2009

Eu me lembro, eu me lembro...
Em meados de dezembro
Um menino conheci.
Eu ainda era criança
Quando brilhou a esperança
No então menino que vi.

Deixei de ser pequenino
Mas meu amigo menino
Não deixou de ser criança.
E todo mês de dezembro,
Em seus olhinhos, me lembro,
Brilhava a luz da esperança.

Sim, na noite de Natal,
De Belém vinha um sinal
Ao som de um sagrado hino.
Uma estrela me dizia
Que se chamava Maria,
E que era mãe do menino.

Então, num clarão divino,
O meu amigo menino
Surgia em forma de luz.
Todo de branco, vestido,
Sussurrava ao meu ouvido:
— Eu sou o menino Jesus.

3 de outubro de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)
Rio de Janeiro - Cidade sede das Olimpíadas de 2016

10 de setembro de 2009

Úmida, a noite me faz companhia.
Já há algum tempo tem sido assim, amiga,
Nas horas de tristeza e de fadiga,
E nas horas em que escrevo poesia.

Revelo meu segredo à face fria
Da noite, que me escuta e assim me intriga,
Sem ouvidos, sem lábios... Ela abriga
A augusta paz que agora me sacia.

Sempre silenciosa e paciente,
Ela é, de fato, minha doce irmã,
É minha mãe, é minha confidente.

Sendo assim, ela é minha guardiã.
E sou feliz à hora do poente...
E fico triste aos raios da manhã...

Carlos Eduardo Drummond

1 de agosto de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)
Paraty - Uma cidade onde se respira poesia.

19 de julho de 2009

Eu tinha um selo pequeno,
Fabricado no Japão,
Com a face de uma gueixa,
Que mal cabia na mão.
Eu amava aquela gueixa,
De todo o meu coração,
Desprezando os outros selos
Restantes da coleção.

Já cansado de sonhar
Usei a imaginação:
Disposto, então, a lutar,
Entrei de selo na mão
Num grande templo budista
Cercado de tradição.
Ali, diante do Buda,
Comecei uma oração,
Fiz um pedido secreto
À luz da meditação.
Selei, no fim, meu pedido,
Beijando o selo na mão
E agradeci ao deus Buda,
De joelho ainda no chão.

Voltei do templo, feliz,
Com mais fé do que razão,
E quando cheguei em casa,
Antes de abrir o portão,
Passou por mim uma gueixa,
No meio da escuridão.
Era muito parecida,
Nas roupas e na expressão
Com a gravura do selo
Escondido em minha mão.

Passava da meia noite
Quando tranquei meu portão.
E como era de costume,
Contei minha coleção,
Para repor o meu selo
Que veio lá do Japão.
Depois de contar os selos,
Procurei na minha mão,
A face daquela gueixa,
Perfeita na ilustração.
Porém, para o meu espanto,
Tristeza e insatisfação,
A face da linda gueixa.
Ali não estava mais não.

Lembrei imediatamente,
Do templo e da tradição,
E pude, enfim, comprovar
A força de uma oração.
Percebi que a linda gueixa
Foi certamente enfeitar
O céu de outra coleção.
Assim deixou de ser minha,
Nem mais cabe em minha mão,
Pertence à filatelia
Humana, da criação.
É mais um selo no mundo,
Gerando satisfação,
Do mais poderoso homem
Ao mais simples cidadão.

Carlos Eduardo Drummond

4 de julho de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)

"A arte de fotografar é a arte do olhar."
Carlos Eduardo Drummond

19 de junho de 2009

O doce que ela vendia
Não tinha açúcar somente...
Tinha outro ingrediente,
Que no peito se escondia.
Inocente — Eu não sabia...
Por isso, freqüentemente,
Depois do almoço, eu comia
Aquele docinho quente,
Bem crente que me valia,
Assim, de modo patente,
A sobremesa do dia.
A cada doce eu sentia
Algo um pouco diferente...
À tarde — um bom-bom de nozes,
À noite — um sorriso quente,
Que na boca derretia.
E o meu coração fremente,
A cada hora mais forte,
Palpitava pela moça,
Que aquele doce vendia.
Era amor adolescente,
Um amor de livraria,
Veloz, apressado, urgente,
Amor meigo, inconseqüente,
No meio daquela gente,
No meio da euforia,
Amor sensível, pungente,
Que aflorava à revelia,
Povoava a minha mente,
E o coração preenchia.
Era, de fato, um presente,
Uma alegria contente,
O amor que entre nós surgia.
Contudo, esse amor ardente
Tornou-se meu penitente,
Meu carrasco, minha harpia,
Minha dor, minha serpente,
E o meu maior delinqüente.
Roubou, de mim, a alegria
De amar no meio da gente,
De amar em plena euforia,
Como faz o adolescente.
Tirou, de mim, friamente,
O doce que eu mais queria,
O meu último pedaço,
Minha última fatia...

Carlos Eduardo Drummond

14 de junho de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)

Pico Aconcágua, ponto culminante da América do Sul, entre o Chile e a Argentina.

“Fotografar é congelar um momento eternizado no calor do coração!”
Carlos Eduardo Drummond

6 de junho de 2009

Procuro alegria na canção triste
E tristeza na mais alegre poesia
Um dia encontro o que não existe
Na existência de um outro dia...

Carlos Eduardo Drummond

27 de maio de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)

Baía do Sancho - Arquipélago de Fernando de Noronha, a Esmeralda do Atlântico.

24 de maio de 2009

“Entreteias” chegou às minhas mãos em folhas avulsas de papel reciclado, sem o acabamento visual elaborado pelas editoras. A agitação do dia-a-dia me obrigou a deixá-lo sobre a mesa da sala por duas semanas, ainda que o nome da obra tenha despertado em mim um interesse que me corroeu por todo esse tempo.

A leitura de um livro começa pelo título. É a partir dele que o imaginário do leitor vai ser moldado. O neologismo aqui presente sugere de modo fulminante a atmosfera moderna em que o leitor está prestes a penetrar. A suspeita inicial é confirmada logo nos primeiros “cantos”, em que o autor assume uma postura filosófica, reflexiva, ao longo de versos brancos, dispostos sem o rigor formal tão característico da poesia clássica.

Na temática também é assim, por isso não espere encontrar aqui poemas de amor dilacerante, paixões arrebatadoras, confissões de um “eu” lírico escancarado. Não é esse o propósito do livro. Para mim, que tenho a sorte de manter os olhos e a mente no século XXI e o coração no século XIX, foi uma grata surpresa essa constatação, o que me causou uma estranheza só denunciada pelos olhos de quem vê o novo pela primeira vez.

O poeta Diego Braga não escreve poesia popular, não redige aquele verso que se compreende na primeira leitura; produz, antes de tudo, um texto desafiador, instigante, que exige do leitor o raciocínio, o cuidado, a reflexão. Esse traço revela, na intuição de minha sensibilidade, o grande mérito do livro. A poesia dele, elaborada dessa forma, se apresenta a maior parte do tempo exalando o aroma fresco da vanguarda.

Em seu estro, ele usa e abusa de recursos lingüísticos que visam, sem qualquer prepotência, reinventar a língua, esmiúça-la, virá-la do avesso até, se necessário for, só para traduzir o sentimento preciso, muitas vezes descrevendo a “aparência” do abstrato, como se fosse um exercício literário desafiador e complexo.

O jogo de palavras, a antítese, o anagrama, a influência de Fernando Pessoa e dos gregos, o neologismo de James Joyce e Guimarães Rosa, a poesia visual, herança concreta dos irmãos Campos e Décio Pignatari, a natureza, os Deuses, o tudo e o nada, o muito e o pouco, desfilam nas páginas desse livro, cuja leitura me deixou convicto, nas palavras do próprio autor, de que “tudo é um deixar de ser outra coisa”.

Carlos Eduardo Drummond
Poeta e escritor

23 de maio de 2009

Na janela do quarto da menina
Não havia cortina.
A luz da Lua entrava sem bater,
E a menina brilhava de frio.
Na janela do quarto da menina
Não havia cortina...
O Sol chegava de mansinho,
Como quem carrega uma culpa qualquer.
Nem a Lua, nem o Sol,
Nem a brisa da madrugada...
Não havia quem soubesse
Cuidar daquela menina...

Entrei, um dia, no quarto da menina sem cortina.
Não vi a luz da Lua, não vi a luz do Sol,
Nem a brisa tocou minha pele.
Não havia cortina no quarto da menina.
Entrei ali sem bater, como fez a luz da Lua,
Até cheguei de mansinho, como fez a luz do Sol.
E a menina que andava triste naquela tarde vazia
Conhecia um visitante que da janela não vinha.

No dia seguinte, voltei...
Entrei sem bater novamente,
Entrei de mansinho outra vez...
Levei comigo o desejo de amar e uma cortina.
Não pedi nada em troca.
Meu desejo se calou,
Meu amor renasceu,
E a cortina cobriu, enfim, a janela do quarto da menina.

Carlos Eduardo Drummond
Não sou ator de cinema,
Mas escrevo o poema
Que traduz o sentimento mais puro e concreto...
Não sou agente secreto,
Mas sou discreto, pois falo de amor
Como quem salva o mundo sem ser notado...
Não tenho arma nem “dublê”,
Mas tenho você...
E posso enviar-lhe uma rosa...
Naquela manhã chuvosa em que eu não puder lhe ver...
Sou aquele que lhe quer bem,
Sou o que lhe deseja sorte também...
Sou, no fundo, o “herói comum”,
Com o dom de saber amar,
Sem precisar dizer a ninguém...

Carlos Eduardo Drummond