24 de janeiro de 2006

I

Raiar do dia neste imenso vale,
Onde as crateras que escavadas são
Guardam segredos de infinitos sonhos,
No barro sujo que recobre o chão.

O sol aos poucos vai dourando o vale,
Que em pouco tempo já estará fervendo,
Legiões de homens, como barros, sujos,
Pelas escadas estarão descendo.

Começa, então, o formigueiro humano,
Milhares deles escavando a terra,
Outros milhares carregando sacos
Cheios de pedras vão dar nome à Serra.

Febris do ouro vão gastando as forças,
E toneladas de barrenta lama,
Com sacrifício nos lanhados ombros
São carregadas e ninguém reclama.

Porque é mais forte o desejar riquezas,
E a sede intensa de encontrar o pó,
Dourados sonhos que serão vividos
Na paciência do incansável Jô.

Sê paciente e encontrarás a luz
Que tanto esperas neste chão brilhar,
Inclina a fronte, ó garimpeiro astuto,
Aos céus que deves vez por outra orar.

II
Eu tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...

Tenho um sonho muito antigo
De rico poder ficar,
Quero sair desta Serra
Com dinheiro pra gastar.

Hoje sou pobre e sozinho,
Vivo só pra trabalhar,
Carrego terra e entulho
Nos ombros, sem reclamar.

Sonho amores e ilusões,
E à luz do saudoso lar,
Deixei mulher, sete filhos,
Todos sete pra criar.

Mas tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...

No garimpo a vida é dura,
Pode até gente matar,
Vi garimpeiro bravio
Lá do morro despencar.

Vi outro dia um amigo
Desesperado a gritar,
Tinha uma faca no peito,
Outro veio lhe roubar.

Sei que a vida aqui é dura,
Peço a Deus pra me ajudar,
Saio daqui milionário,
Se Deus me mostra onde está.

Serve o grama ou a pepita
Se perto de mim brilhar,
Rezo apenas pra ser ouro,
E prometo não contar.

Pois tenho o sol como amigo,
Poeira pra respirar,
Sou garimpeiro e sou forte,
Quero escavar e escavar...


III
Movidos pelo sonho do El Dourado,
Partem cheios de esperança.
Nos olhos o desejo insaciável,
Na inocência de criança.

Deixam serras, campinas, belos campos,
Na ilusão de uma pepita.
Largam mulheres, filhos, famílias,
E vão comer de marmita.

Deixam o verde, ar puro e natureza,
No seio de suas terras,
Aqui comem poeira e bebem barro
Tirados da própria Serra.

Muitos morrem sem mesmo achar o ouro.
Outros tantos vivem anos
Até chorar na dor arrependidos,
De um dia serem ufanos.

Outros acidentados e infelizes
Porque hoje são paralíticos,
E ainda um grande número de tristes
Porque são hoje raquíticos.

IV
Hoje é dia de garimpo,
É dia de deixar limpo,
Os amuletos da sorte.
Dou brilho nas ferraduras,
E rezando pras alturas
Desafio a própria morte.

Carrego pedra e entulho,
Vendo depois com orgulho
O outro que eu encontrar.
Volto correndo pra casa,
Nos bolsos, dinheiro vaza,
Vaza, vaza... Sem parar.

Aqui não tem natureza,
Muitos sonhos de riqueza
É o que tu encontras aqui,
Poeira pra todo lado,
Homem com dente dourado,
Quando um deles te sorri.

A noite aqui é sombria,
Ao soprar da ventania,
Vem poeira e também medo.
Se eu encontro o pó dourado,
Posso, à noite, ser roubado,
Se não guardá-lo em segredo.

De dia, o sol escaldante,
Nessa cratera gigante,
Deita seus raios ferventes.
Entre um gole e outro d’água,
Punge o peito em dura mágoa,
Na saudade dos parentes.

Sou garimpeiro, sou forte,
Desafio a própria morte,
Aqui na Serra Pelada.
Com vinte e quatro quilates,
Mercedes, Mansões e iates,
E a patroa é conquistada.

V

O céu já dourando ao sol do poente
Avisa ao garimpo que o dia acabou
De alma cansada e corpo doente
O bom garimpeiro mais rico ficou.

Poeira nos olhos e barro no rosto
Mas bem escondido seu sonho dourado.
Caindo a noitinha, o sol já está posto,
E o bom garimpeiro foi recompensado.

Milhares de vidas retiram seus corpos,
Da imensa cratera que ali se formou,
Imundo qual fosse um chiqueiro de porcos
O grande garimpo mais fundo ficou.

De dia — um inferno; à noite — sem vida.
No entanto escondido nos bolsos do chão,
O áureo motivo de tanta corrida
O áureo motivo de tanta ilusão.

À noite, na esteira, rezando um Pai Nosso,
O bom garimpeiro agradece ao Senhor,
“Meu pai, sou bom filho, pois faço o que posso
Pra ter nos meus lábios palavras de amor.”


“Senhor, agradeço esta luz tão bendita
Que hoje perdoa o mal que causei
Também agradeço por essa pepita
Que suja de lama no barro encontrei.”

A paz ora reina no inferno dourado,
Cessando na imensa cratera os trabalhos,
Medonho silêncio vislumbra pasmado
Que o grande garimpo foi feito em retalhos.

Exausto, na esteira, dormindo ao luar,
Depois de ingerida uma boa cachaça,
O ouro nos sonhos começa a brilhar,
Pois sonhos não custam... são sempre de graça...

Dorme, garimpeiro! Dorme...

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